EDUARDO CUCOLO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Ajudar financeiramente um parente no exterior -como no caso do envio de um Pix de R$ 2 milhões pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao filho Eduardo- pode resultar em cobrança de imposto, mas apenas se a transferência for caracterizada como uma doação.
Mesmo que o imposto não seja devido, valores expressivos como esses devem ser declarados à Receita Federal, ao Banco Central e ao governo dos Estados Unidos.
Nesse caso, esse tributo é o ITCMD, aquele cobrado pelos estados na transmissão de patrimônio entre vivos ou por meio de herança. A arrecadação desse imposto bateu recorde no ano ado.
Uma doação nesse valor renderia R$ 160 mil para o governo do Rio de Janeiro, pois o montante se enquadra na alíquota mais elevada (8%) que é cobrada no estado istrado pelo governador Cláudio Castro (PL). Se tivesse domicílio fiscal em São Paulo, o ex-presidente pagaria metade desse valor -aqui é cobrada alíquota única de 4%.
Se o valor declarado fosse menor, poderia se enquadrar na faixa de isenção, que varia de acordo com o estado, mas normalmente não chega a R$ 100 mil por ano para cada beneficiado. Mesmo no caso de isenção, é recomendável que a doação seja declarada às autoridades fiscais (receitas federal e estadual).
O simples envio do dinheiro não caracteriza doação. A transferência pode ser declarada como empréstimo ou pagamento de uma dívida, por exemplo.
Ana Claudia Argenta, advogada tributarista na Innocenti Advogados, afirma que, para que uma transferência de valores entre pai e filho seja caracterizada como empréstimo ou pagamento de dívida, é necessário, além da comprovação da movimentação bancária, a existência de contrato formal, especificando valores, prazos, formas de pagamento e juros.
Além disso, essa operação deve ser lançada tanto na declaração de Imposto de Renda do pai quanto na do filho. Na do pai, enquanto credor, o valor deverá ser incluído na ficha "bens e direitos". Na do filho, enquanto devedor, o valor deverá ser incluído na ficha "dívida e ônus reais".
"A ausência de documentos formais pode levar o fisco a classificar a operação como uma doação ou antecipação de herança disfarçada, sujeitando-a à tributação aplicável à herança, além de eventuais penalidades", afirma.
Argenta diz que o valor doado também precisa respeitar alguns critérios sobre antecipação de herança, como reserva de patrimônio suficiente para sua própria subsistência e a parcela dos demais herdeiros que não pode ser livremente movimentada.
Jaylton Lopes Jr., advogado especialista em direito patrimonial de família e inventários, afirma que, mesmo que o filho tenha encerrado oficialmente a sua residência fiscal no Brasil, via comunicação de saída definitiva do país, a Receita ainda o considera residente fiscal brasileiro. Portanto, os valores devem ser lançados em declaração de Imposto de Renda.
Ele afirma que, em tese, é possível declarar à Receita que a transferência é um empréstimo ou um pagamento de dívida, mas não havendo contrato de empréstimo ou negócio jurídico prévio que comprove o pagamento da dívida, a Fazenda pública estadual poderá entender que houve fraude.
"Se ficar configurada a fraude, o fisco poderá desconsiderar o contrato de empréstimo, requalificar a operação como doação, exigir o ITCMD com multa e juros e, eventualmente, até mesmo representar ao Ministério Público por eventual crime contra a ordem tributária, se houver dolo", diz o advogado.
Henrique Rodrigues e Silva, sócio do Coletta Rodrigues Advogados, afirma que, se a transferência de valores que Bolsonaro fez ao filho for classificada como doação, há obrigação de pagar o ITCMD ao estado de residência do doador, mesmo que o recebedor esteja domiciliado no exterior.
"Em sendo empréstimo, não incide o ITCMD, mas a natureza jurídica de empréstimo tem que se confirmar com a futura devolução dos valores por Eduardo ao pai. Caso as autoridades identifiquem que uma transação que foi declarada como empréstimo era, na verdade, doação, tende a haver autuação fiscal", afirma.
Christiane Valese, sócia da área tributária do Donelli, Nicolai e Zenid Advogados, afirma que o caso envolvendo o ex-presidente levanta discussões não apenas sobre o enquadramento jurídico da operação, mas também sobre a transparência na origem dos recursos e a sua destinação.
Segundo ela, o fato de parte desses valores ter origem em doações feitas por apoiadores amplia a complexidade da análise jurídica e fiscal. Ela lembra que transferências para o exterior exigem cuidados adicionais, pois valores superiores a US$ 100 mil (cerca de R$ 560 mil) exigem registro no Banco Central.
"Mesmo em relações familiares, o ideal é tratar transferências patrimoniais com o mesmo grau de formalismo que se esperaria em relações entre partes independentes. Isso inclui formalização documental, declaração correta no Imposto de Renda, e atenção às obrigações órias junto ao Banco Central e à Receita Federal", afirma.
"Se não houver documentação idônea que comprove que se trata de um mútuo ou de ressarcimento de despesas, há o risco de que a operação seja qualificada como doação, sujeita à tributação pelo ITCMD e, eventualmente, a outras consequências fiscais e criminais, dependendo do contexto."
Segundo um especialista, se despesas do filho como faculdade, aluguel ou plano de saúde forem pagas diretamente pelos pais, em nome próprio, pode-se argumentar que não houve transmissão patrimonial direta, e sim custeio de despesas por liberalidade.
Se os valores forem reados ao filho com essa finalidade e ele arcar com os custos, trata-se de doação indireta, especialmente se os valores forem significativos ou recorrentes, com incidência do ITCMD, caso superem o valor da isenção.
A ausência de tratados internacionais para evitar a bitributação em doações e heranças implica que o filho também pode ser obrigado a declarar ou até a pagar tributo no país de destino, segundo esse especialista.
Nos Estados Unidos, doações recebidas de pessoas físicas estrangeiras são isentas, mas devem ser informadas via Form 3520 caso superem US$ 100 mil (R$ 560 mil) no ano-calendário. A omissão pode gerar multas de até 25% do valor recebido, ainda que não haja tributação.
Ele afirma que, quando o doador e o filho possuem conta no exterior, os estados não têm competência para cobrar o ITCMD no Brasil, segundo entendimento do STF (Supremo Tribunal Federal).